Por: Gegliola Campos da Silva
O Setembro Amarelo é dedicado à prevenção do suicídio, momento muito oportuno para lembrarmos que doenças mentais não tratadas podem levar as pessoas a desistirem da própria vida. Apesar de ser um fenômeno multicausal, é importante destacar que algumas profissões, no contexto em que são impostas, tornam o indivíduo mais exposto aos riscos de depressão, outros transtornos mentais e até de suicídio. A atividade policial é uma dessas profissões e traz características bem próprias que aumentam em muito a incidência de casos.
Além do alto risco de morte apenas por se identificar enquanto policial, a sobrecarga de trabalho, o estresse da atividade, o estado de alerta constante, as mudanças repentinas na rotina e o acesso a armas de fogo são ingredientes que, juntos, tornam policiais potencialmente mais vulneráveis a doenças, principalmente as doenças mentais (pesquisas ainda apontam que profissionais da área de segurança pública constituem um grupo mais vulnerável ao suicídio, em virtude do acesso facilitado a armamentos).
A polícia está presente em nosso cotidiano e muitas vezes inspira nos cidadãos sentimentos ambíguos. Vemos com frequência a atuação policial sendo mostrada exaustivamente pela mídia, ora exibindo policiais como heróis, ora como vilões. Em linhas gerais o que impera é a mentalidade de que eles nada mais são do que objetos a serviço do Estado na produção de segurança pública.
Fato é que esses indivíduos são duplamente atingidos pela violência, como cidadãos e como profissionais, mas esse sofrimento é geralmente indiferente à sociedade a qual deve proteger.
É importante resgatar a lógica de maior credibilidade e humanização do policial, uma vez que sua realidade de trabalho é repleta de riscos, adversidades e fatores que favorecem ao adoecimento físico e mental. No entanto, a maioria dos órgãos de segurança prefere negar a problemática, especialmente quando se trata de casos de suicídio.
Além do preconceito institucional, policiais em situação de adoecimento psíquico têm medo de ter sua arma funcional e/ou pessoal recolhida. Temem ficar estigmatizados pelos colegas, o que dificulta a busca por orientação profissional e apoio social. Dessa forma, eles partem para o cumprimento das missões com a saúde comprometida, tornando-se a personificação do risco para sua integridade física/psíquica, para a segurança da equipe de trabalho e para a sociedade à qual serve.
O adoecimento de policiais pode também estar ligado ainda à estrutura das organizações, marcada muitas vezes por relações de poder assimétricas, por um ambiente hostil e pela coisificação do sujeito. Tudo isso é reforçado por uma cultura organizacional marcada pela “aura de herói” que envolve o policial, na qual ele é doutrinado a cumprir a qualquer custo sua missão com coragem e honra.
O doutor Daniel Cerqueira, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a construção do heroísmo em torno do policial se torna um discurso útil para a manutenção de uma política que os mantém em risco. Afinal, um herói não precisa ter estruturas de trabalho dignas, ou de treinamento, de equipamento de segurança adequado ou de suporte psicossocial. Ele tem que ir lá fazer o que tem que ser feito.
Dito isso, é preciso avançar nas pautas que só associam a valorização de policiais a salário e/ou reestruturação de carreira. Precisamos falar também sobre o adoecimento mental e o suicídio de policiais. O preconceito ainda atrapalha as possibilidades de prevenção. Além disso, é elementar buscar práticas humanizadas de gestão na polícia, menos autoritárias, que não compactuam com nenhuma forma de abuso ou assédio, que não ignoram as vulnerabilidades do policial, adotando estratégias que reduzam os fatores de risco e aumentem os fatores de proteção desse profissional que é capaz de ‘atos heroicos’, mas que é um ser humano e não um avatar.
Gegliola Campos da Silva, Assistente Social, Mestranda em Segurança Pública.