quinta-feira, 14 de maio de 2020

‘Passou por cima das normas e não respeitou a hierarquia’, desabafa ex-comandante, que admite interferência do governador no Corpo de Bombeiros


A exoneração do coronel Gilfran Mateus, do cargo de comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe (CBM-SE), provocou um mal estar na instituição militar. Tudo aconteceu depois que o governador Belivaldo Chagas (PSD) interferiu na instituição, promovendo a transferência de dois oficiais para a Defesa Civil do Estado, sem antes comunicar ao comandante do CBM, evitando que tal transferência prejudicasse as operações dos bombeiros na Grande Aracaju.

A medida adotada pelo governador, considerada uma falta de respeito a hierarquia militar, deixou Nossa Senhora do Socorro e mais 11 municípios sem comando e com os trabalhos de fiscalização, análise de projetos emissão de alvarás de funcionamento de empresas prejudicados.

O ex-comandante do Corpo de Bombeiros admite indevida interferência do governador na instituição e explica, com exclusividade ao Hora News, como os fatos se desenrolaram até chegar a sua demissão do comando.

“O motivo realmente foi esse. O coronel Alexandre, que era da Defesa Civil, reuniu-se com o governador, no início do mês de março, e dessa reunião saiu a publicação direta no Diário Oficial dos dois capitães sendo transferidos para trabalhar na Sedurbs, e eu não tomei conhecimento, tomei conhecimento só pelo Diário Oficial. Inclusive, um dos capitães, o Carvalho, era comandante do Quartel de Nossa Senhora do Socorro, que responde por 11 municípios. E esse Quartel ficou sem comando. Na mesma hora eu falei pra o governador, mandei um ofício dizendo pra ele que precisava de uma explicação e de uma possível revogação, por que a corporação ia ter um prejuízo grande. E desde lá, do início de março até esta semana, ele não me respondeu e eu cheguei no meu limite. Disse pra ele que o Quartel estava sem comandante, respondendo por 11 municípios, onde a gente faz toda a regularização de empresas, análises de projetos, vistorias e que o oficial que fazia esse trabalho ia ter que assumir o comando e não ia puder fazer mais, ou seja, ia atrasar completamente e trazer um transtorno terrível. Sem falar também na outra capitã, que também tinha um papel importante. Só que eu não fui de jeito nenhum atendido” explica coronel Mateus, que destaca uma conversa que teve por WhatsApp com o governador.

“A última conversa que eu tive pelo WhatsApp, o governador mandou que eu aguardasse, e eu disse a ele que eu já tinha aguardado quase três meses e que eu tenho um limite, precisava de uma resposta, até porque o cargo de comandante não sou eu, o cargo de comandante precisa de um pouco mais de respeito, mas o governador me disse que se eu tivesse incomodado colocasse o cargo à disposição que ele colocaria outro em meu lugar. Então, se essa é a postura do meu chefe, o cargo é dele, eu não tenho outra alternativa senão colocar realmente o cargo à disposição dele e ele tomou a medida que achou que deveria”, relata Mateus, reafirmando a interferência do governador e que tal medida passou por cima das normas legais.

“Claro. Claro que houve. Primeiro que eu sou o comandante da instituição e não sou se quer informado de uma transferência. E para se ter uma ideia, os processos de transferências e de cessão de militares têm que seguir um rito na administração pública. E no caso do capitão Carvalho, não seguiu rito nenhum, por que o rito é o órgão que tem interesse pedir, a Secretaria de Administração consulta o chefe imediato dessa pessoa, que dar um parecer, dizendo se pode ou não ceder em função das necessidades do seu órgão. Passou por cima do processo devido. O processo que deveria seguir, primeiro, era me comunicar, acho que o respeito deve existir de cima pra baixo e de baixo pra cima. Esse negócio de fazer transferência direto em Diário Oficial e a gente ter que tomar conhecimento por Diário Oficial e um militar que está ao nosso comando abandonar o barco sem se quer conversar com o comandante, aí você feriu na alma os pilares de um instituição militar, que são hierarquia e disciplina”, desabafa o ex-comandante.

Coronel Mateus salienta que o comportamento do governador foi desrespeitoso e autoritário e incitou os subordinados a não respeitarem as ordens do comandante.

“Então, começou de cima, do chefe máximo com desrespeito ao chefe da instituição e provocando nos meus subordinados, nos capitães, a ideia que não deveria mais se submeter as ordens do comando, por que havia uma ordem maior do governador mandando que eles fossem para Sedurbs, e abandonaram completamente o barco. Ou seja, ficou o Quartel de Nossa Senhora do Socorro sem comandante, as funções da capitã também sem oficial e a gente tendo que levar a situação desse jeito. Então, eu disse que não aceitava e culminou com essa exoneração”, lamenta.

O ex-comandante observa, ainda, que a postura do governador foi parecida com a do presidente Bolsonaro, acusado de tentar interferir nos trabalhos da Polícia Federal. 

“Olha, eu acredito que o presidente com o Moro, pelo menos conversou antes, se o Moro concordou ou não, mas ele teve uma conversa e disse o que tinha interesse de fazer. No meu caso não houve qualquer conversa. Eu soube pelo Diário Oficial sem qualquer conversa prévia, sem qualquer manifestação, tanto do governador, como do próprio coronel Alexandre, que era o gestor da Defesa Civil na época, e que era meu subordinado até então, e não me comunicou. Então, eu acho que no meu caso a situação é até um pouco mais complicada, por que não houve diálogo”, diz coronel Mateus, lamentando que a ordem do governador provocou uma clima insustentável na instituição de quebra de hierarquia.

“Uma coisa é o governador dizer pra mim: olha, eu quero transferir os dois capitães, Mateus, e independente da minha resposta ele poderia transferir, mas ele não me deu o direito de dizer por que eu não poderia aceitar aquilo naquele momento. Mas se comunicar com um gestor de um órgão de segundo escalão numa disciplina militar e deixar os meus subordinados nesta situação de insubordinação com o comandante, por que acha que a ordem do governador é superior e tem que cumprir a do governador, provocou um clima insustentável na instituição de indisciplina, de quebra de hierarquia e isso eu não aceitei”, conclui o ex-comandante do CBM.

Após a exoneração do coronel Mateus do comando do Corpo de Bombeiros, o governador nomeou o coronel Alexandre, que coordenava a Defesa Civil, para comandar a instituição militar.

Governo

O superintendente de Comunicação Social do Governo do Estado, Givaldo Ricardo, salienta que a autorização do governador teve por finalidade atender uma demanda da Defesa Civil, que necessitava reforçar seus trabalhos operacionais por causa da pandemia de coronavírus.

“A Defesa Civil pediu dois bombeiros militares para reforçar as ações de Defesa Civil neste momento de pandemia e o governador autorizou a transferência do Corpo de Bombeiros para a Defesa Civil, ou seja, dentro do próprio estado. O coronel Mateus não gostou, pediu para o governador revogar, o governador disse que a decisão estava mantida, a transferência desses dois oficiais, e ele entregou o cargo e o governo aceitou. Só isso. Exatamente isso”, explica Givaldo.

Por Redação
Foto: Divulgação

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