O Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes
Em meio a um caos penitenciário no país, com rebeliões e massacres deflagrados pela guerra entre as facções criminosas Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital, sete integrantes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), entre eles o presidente do órgão, renunciaram coletivamente nesta quarta-feira por divergências com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
Na carta renúncia, eles acusam o ministro de desprezar o órgão, afrontar sua autonomia, de agir com desconfiança e tentar amordaçar seus integrantes. “Esse papel de subserviência, é preciso dizer, não condiz com a história de quase quatro décadas do CNPCP e, principalmente, da missão institucional que ocupa o mais antigo conselho do Ministério da Justiça. Não podemos, portanto, permanecer”, declararam. “A atual política criminal capitaneada pelo Ministério da Justiça, a seguir como está, sem diálogo e pautada na força pública, tenderá, ainda mais, a produzir tensões no âmago de nosso sistema prisional, com o risco da radicalização dos últimos acontecimentos trágicos a que assistiu, estarrecida, a sociedade brasileira.”
Um dos conselheiros disse a VEJA, sob condição de anonimato, que Moraes “está destruindo o conselho e nomeando amigos dele”. A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça, mas ainda não obteve resposta.
O texto de renúncia critica o envio das Forças Armadas para atuar nos presídios, o decreto que estabeleceu as novas regras de indulto, o Plano Nacional de Segurança Pública anunciado às pressas pelo governo e a criação da Comissão do Sistema Penitenciário Nacional, com integrantes indicados pelo ministro. Também classifica como “populista” declaração de Moraes em que ele defendeu mais armamentos e menos pesquisas para enfrentamento da crise.
Eles argumentam que o conselho não pode se restringir “à condição de simples avalista das políticas implementadas pelo titular do Ministério”. “A finalidade precípua do Conselho, e daí a real existência de um ente plural, é desferir críticas, postular mudanças, apontar defeitos”, escreveram.
Subordinado ao Ministério da Justiça, o CNPCP é responsável pela formulação de diretrizes para a política prisional do país. Os conselheiros fazem inspeções periódicas em todos os Estados, produzem relatórios com problemas e também monitoram a presença de facções criminosas nas cadeias.
Atualmente o conselho possui treze membros titulares e cinco suplentes. Todos os sete que deixaram os cargos haviam sido nomeados no governo Dilma Rousseff. Eles, porém, afirmam na carta renúncia que sempre atuaram com “absoluta isenção de preferências político-partidárias”.
Moraes criou recentemente mais oito vagas de suplentes, o que gerou insatisfações. Para eles, Moraes agiu com o “ímpeto de transformar o CNPCP em espaço endossatário das políticas, quaisquer que sejam, do ministério”. Com oito novos indicados, o governo Michel Temer empataria com Dilma no número de integrantes dentro do conselho – treze para cada. Moraes também abrigou no órgão promotores do Ministério Público de São Paulo, onde fez carreira. Todos os atuais conselheiros possuem mandatos que se encerram entre 2017 e 2018.
Leia a íntegra da carta de renúncia
Brasília, 25 de janeiro de 2017.
Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Cidadania
Dr. ALEXANDRE DE MORAES
Prezado Senhor,
O Presidente e demais subscritores membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Cidadania (CNPCP/MJ) vêm, todos eles em caráter definitivo e irretratável, requerer o seu desligamento das vagas que ocupam e consequente encerramento das atividades que exercem nesse órgão colegiado. As razões, as quais sucintamente se expõem, são as seguintes:
1. Todos os subscritores desta renúncia coletiva receberam, cada um ao seu tempo e modo, o chamado para contribuir com a formulação da política criminal e penitenciária brasileira, conforme, inclusive, determinam os artigos 62 a 64 da Lei de Execução Penal, ao estabelecer as competências e atribuições inerentes e elementares do CNPCP.
2. Este trabalho, em todas as incumbências que lhe são pertinentes, sempre foi realizado com absoluta isenção de preferências político-partidárias, de tal modo que o único comprometimento de cada um dos conselheiros foi com a sua própria compreensão e consciência derivadas das respectivas experiências com as questões penais, buscando, apenas e tão somente, contribuir com o debate brasileiro, principalmente em face das conhecidíssimas mazelas de nosso sistema. Daí a ocorrência, entre todos nós, de divergências e convergências, vistas como salutares processos dialogados de construção de projetos, resoluções e atividades em geral.
3. A premissa essencial dessa forma de agir decorre do diagnóstico necessário a respeito da magnitude e importância da política criminal de uma sociedade. Se vista desta forma, não é aqui definitivamente o espaço adequado para projetar dissentimentos menores, pois nesse campo discutem-se, em última instância, os limites do poder do Estado, a efetivação da cidadania e a própria amplitude do conceito mais caro à nossa Constituição Federal de 1988, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
4. O que se tem visto, entretanto, é a formulação de uma política, encabeçada por este Ministério, que ruma em sentido contrário a tudo isso. Navega com a popa da embarcação. Poder-se-ia nestas sintéticas razões de renúncia apontar muitos defeitos, vícios de compreensão e caminhos equivocados, ao menos em nosso sentir, pelo qual o Governo Federal conduz a sua forma de atuação no âmbito da execução penal.
5. Ressalta-se, nos últimos meses, o notório desprezo conferido ao Conselho nos temas mais relevantes ao Brasil na temática pertinente. Dias antes da crise prisional atingir patamar alarmante, a minuta de decreto de indulto aprovada pelo colegiado do CNPCP foi deixada integralmente de lado, optando-se pela formulação de um texto normativo que é, talvez, o mais restritivo em termos de liberdades já editado na história recente e republicana. Símbolo máximo disso é a exclusão do instituto da comutação. Conquistas gradativa e progressivamente obtidas foram abandonadas. A peculiar situação do encarceramento feminino, as dificuldades dos miseráveis presos brasileiros em arcarem com o pagamento das penas de multa, as enfermidades incuráveis do ambiente prisional e que afetam mortalmente centenas de condenados, a perpetuidade em que se transformam as medidas de segurança no Brasil, enfim. Tudo foi relegado ao esquecimento, a desprezar, inclusive, inúmeras pesquisas e trabalhos científicos a respeito da relevância da abordagem dessas peculiaridades no decreto de indulto.
6. A índole assumida por esse Ministério, ao que parece, resume-se ao entendimento, para nós inaceitável, de que precisamos de mais armas e menos pesquisas. Essa paradigmática frase não pode ser aplicada a lugar algum que envolva instâncias e políticas públicas e que se voltem, com ponderação, a resolver os complexos problemas de um País cujo traço secular é a desigualdade e a marginalização de parcela de sua população.
7. Defender mais armas, a propósito, conduz sim à velha política criminal leiga, ineficaz e marcada por ares populistas e simplificadores da dimensão dos profundos problemas estruturais de nosso País.
8. Viu-se, no último mês, e por melhor que possam ser as intenções, o lançamento de um Plano Nacional de Segurança Pública sem qualquer debate com a sociedade ou com as instâncias consultivas do Ministério. Ao mesmo tempo, incentiva-se uma guerra às drogas no Brasil que vai, outra vez, na contramão das orientações contemporâneas das Nações Unidas e de diversas experiências bem-sucedidas em países estrangeiros. Comete-se o equívoco de confundir, como se tratasse de algo único, política penitenciária e segurança pública, fator a redundar na utilização de verbas do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para fins diversos de seu desiderato, conforme permitido pela belicista Medida Provisória nº 755, de 19 de dezembro de 2016. Planeja-se a destinação de recursos e efetivo das Forças Armadas para cuidar de um problema prisional e social que é fruto da incapacidade congênita do País em lidar com suas unidades penitenciárias e com as facções internas que surgem como subproduto do próprio caos penitenciário e que passaram a retroalimentar, sob as barbas do descaso estatal, o ciclo de exclusão, violência e encarceramento. Não se pode tratar jovens pobres e brasileiros como inimigos, por definição, do Estado.
9. Se não bastasse, no momento em que o Brasil vive a sua mais aguda crise penitenciária, cuja solução começa pela capacidade de diálogo das mais diversas esferas e instâncias públicas e privadas, o Ministério da Justiça investiu diretamente contra a autonomia e finalidade do próprio CNPCP. Cuidam-se de medidas que denotam, inclusive, alguma incompreensão do papel exercido pelo Colegiado consultivo, o qual não pode destinar-se à condição de simples avalista das políticas implementadas pelo titular do Ministério. A finalidade precípua do Conselho, e daí a real existência de um ente plural, é desferir críticas, postular mudanças, apontar defeitos.
10. O que se vê, entretanto, é uma clara tentativa de controle da voz a da opinião deste CNPCP. Em primeiro lugar, é criada por portaria uma Comissão do Sistema Penitenciário Nacional, o qual, se tem a virtude de reunir diversas entidades e ampliar por consequência o debate, estabelece, por outro lado, que os membros do CNPCP serão indicados pelo próprio Ministro, e não pelo Colegiado do qual são oriundos. Em outras palavras, ser do CNPCP para compor dita Comissão, nesta índole, é mera formalidade, pois não serão os componentes aqueles a quem, em si mesmos, o CNPCP conferiu legitimidade interna de representá-lo.
11. Em segundo lugar, determinou-se na última semana, por meio de outra portaria, o advento de oito novas vagas de suplência, o que, para além de violar a regra de iniciativa de modificação regimental do órgão, mostra-se como verdadeira afronta à autonomia do Conselho (artigo 24 do Regimento Interno – Portaria nº 1.107, de 5 de junho de 2008). Uma nítida mensagem ou moção de desconfiança aos seus atuais integrantes e, em consequência, o ímpeto de transformar o CNPCP em espaço endossatário das políticas, quaisquer que sejam, do Ministério (Portaria nº 81, de 19 de janeiro de 2017).
12. Esse papel de subserviência, é preciso dizer, não condiz com a história de quase quatro décadas do CNPCP e, principalmente, da missão institucional que ocupa o mais antigo Conselho do Ministério da Justiça. Não podemos, portanto, permanecer.
13. A atual política criminal capitaneada pelo Ministério da Justiça, a seguir como está, sem diálogo e pautada na força pública, tenderá, ainda mais, a produzir tensões no âmago de nosso sistema prisional, com o risco da radicalização dos últimos acontecimentos trágicos a que assistiu, estarrecida, a sociedade brasileira. Esperamos que dias melhores se avizinhem ao Brasil, porém, para tanto, a direção das políticas de governo na área penitenciária demanda mudanças.
Aproveitamos o oportuno para externar nossos votos de sucesso na política criminal a ser implementada. Estaremos sempre torcendo para que o melhor ocorra para e neste País.
ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO
Professor Associado do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ex-Presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo. Advogado.
GABRIEL DE CARVALHO SAMPAIO
Advogado. Mestre em Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ex-Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Foi membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos. HUGO LEONARDO Advogado. Vice-Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa-IDDD. Produtor Executivo do documentário “Sem Pena”.
LEONARDO COSTA BANDEIRA
Advogado. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY
Advogado. Mestre e Doutor em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
MARCELLUS DE ALBUQUERQUE UGGIETTE
Promotor de Justiça de Execução Penal do Estado de Pernambuco. Especialista em Ciências Jurídicas e Criminais. Professor de Direito Penal e Processual Penal. Mestrando em Educação. Coordenador do GAEP/MP-PE
RENATO CAMPOS PINTO DE VITTO
Defensor Público do Estado de São Paulo. Ex-Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional. Ex-Coordenador da Comissão de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Fonte: Veja (Felipe Frazão)
Postado por ESPAÇO MILITAR
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