terça-feira, 19 de julho de 2016

CARTA ABERTA DE UM OFICIAL DA PM.

O pensamento de um oficial sobre as declarações de um delegado


Na íntegra, segue a nota pública confeccionada por Marco Carvalho, Oficial da Polícia Militar de Sergipe, versando sobre declarações dadas em entrevista por parte de delegado.

O problema da Segurança Pública

Uma entrevista do Presidente da ADEPOL/SE repercutiu bastante nas últimas horas. Felizmente, o ambiente democrático nos permite discordar de uma opinião contrária sem que o conflito ultrapasse o campo das ideias. O delegado afirmou que a principal deficiência da Segurança Pública está na Polícia Militar, inclusive com comentários sobre possíveis equívocos na estrutura interna da corporação. Disse que há centenas de policiais desviados de função, inclusive os que investigam à paisana, de forma ilegal e sem controle. Os oficiais são o problema, não vão às ruas, só ficam no expediente do quartel. De nossa parte, agradecemos a oportunidade de desconstruir alguns mitos. Eis porque discordar é tão salutar.

É necessário manter as coisas em perspectiva e entender que a opinião proferida insere-se num contexto de convencimento bem delineado. As instituições de Segurança Pública sergipanas tem um histórico de parceria de longa data. Separamos a pessoa do policial civil, de opinião forte e texto irretocável, do que pensa toda uma categoria. As polícias Civil e Militar em Sergipe trabalham articuladamente, pesando-lhes nos ombros as deficiências que bem sabemos. Já faz tempo que seguimos contornando alguns dogmas antigos.

Em cerca de quinze anos como delegado, o entrevistado citado já foi superintendente e representante de categoria mais de uma vez. Foi o primeiro superintendente em um governo de esquerda, embora apresente hoje postura diversa, frequentemente exposta em sua coluna na internet, voltada principalmente à politica sergipana. A condição de colunista foi inclusive endossada pelo judiciário. Não raro, nela reclama que o governador enaltece exageradamente o trabalho da PM e o aumento de abordagens e prisões, e que jogou uma polícia contra a outra. Faz pouco caso da desmilitarização, pois segundo sua ótica o próximo passo seria criar uma polícia única, inadmissível para ele. Ainda estamos nos esforçando para entender qual sua solução para a instituição, é verdade, mas é cristalino que tem pouco contato com nosso oficialato. É taxativo ao dizer que a confecção de Termo Circunstanciado pela PM é usurpação de função – crime, portanto – ainda que o Ministério Público e Judiciário “batam continência” (sic) para os usurpadores, cuja pretensão é apenas (grifo meu) ter carreira jurídica para auferir mais vantagens, reproduzindo seu texto. Sim, os Oficiais, os “juristas de coturno”. Pensávamos estar dando respostas mais rápidas ao cidadão.

Ainda usando suas próprias palavras, não vamos nos perder em discussões bizantinas. Há um erro de interpretação sobre quem vai ou deixa de ir às ruas. No nosso mundo ideal, o policial seria um profissional com formação poderosa, um policiólogo, a própria representação do sistema de segurança. Estudaria criteriosamente uma área sob sua jurisdição, baseado em um banco de dados eficiente e acompanharia uma ocorrência do início ao fim, amparado pelo Estado. Em resumo, “toma conta” de sua área através de mecanismos de prevenção situacional e análise da arquitetura ambiental como suporte, faz diligências, executa operações autoplanejadas, prisões, relata circunstanciadamente o crime em que agiu e remete ao Ministério Público, concluindo por completo e sem ruídos sua missão. Das ruas para o Judiciário, sem intermediações, o que exigiria redimensionamento das funções hoje desenvolvidas pelos atuais atores deste cenário. Um sistema aonde a prestação do serviço público viesse antes da hierarquia formal.

O referido policial tem visão diametralmente oposta. No início de 2015 criticou sua própria Corregedoria dizendo que ela apresentava lassidão moral por não punir agentes que reivindicavam direitos. Naquele momento, dezoito meses atrás, atribuiu o aumento da criminalidade à falta de respeito pela hierarquia.

As portas sempre estarão abertas para quando quiser fazer uma visita para entender como funcionamos. Por questões estratégicas não citamos números, mas posso atestar que se surpreenderia ao saber o quanto estava errado ao afirmar que oficiais não vão às ruas. Essa interpretação se deve a um senso comum equivocado, mas é facilmente refutável apenas consultando a quantidade de ações operacionais desencadeadas. Não dá para brigar com os fatos. Enxergamos a instituição como um todo, sem divisão entre oficiais ou praças, mas compromissados com o profissional. Oficiais são dez por cento da tropa, não podem estar em todos os lugares. Nós apoiamos que todo operador de segurança tenha liberdade de ação, amparado nas leis, inclusive divulgando suas atividades em nome da Polícia Militar, não apenas os oficiais. As entrevistas concedidas todos os dias confirmam esta postura. Não se efetua uma prisão a cada duas horas, não se faz mais de oitocentas mil abordagens, não se atende mais de 60 mil ocorrências em um semestre sem empenho, não há milagres. Oficiais e Praças entendem que operações não se planejam sozinhas, que análises criminais são essenciais e que sem o atendimento administrativo haveria colapso, dificultando até as providências mais simples, como gozo de férias, por exemplo. Oficiais e Praças executam atividade-meio como suporte à atividade fim, e a maioria está empenhada tanto administrativa como operacionalmente. O expediente é uma jornada a mais para muitos, ele existe por padrão e justamente para que a engrenagem continue funcionando.

Julgo que o delegado não tenha tido a justa oportunidade de aprofundar seu raciocínio diante do jornalista. É um homem perspicaz, inteligente e que busca, à sua maneira, contribuir. Gostaríamos de ter a oportunidade de conversar sobre o tema. Sobre o quanto impacta na prevenção a ausência de vagas no sistema prisional, inclusive utilizando delegacias para manter custodiados. Em como estamos importando bandidos de outros Estados, pois em função da superlotação, os presos daqui estão migrando diretamente do regime fechado para o aberto, sem o controle do semiaberto e voltando mais rápido a delinquir, alimentando a máquina do crime. Somos parte da sociedade, vítimas do crime como qualquer cidadão, nossos guerreiros tombaram diante dele, infelizmente. Ontem um delegado perdeu a vida, antes deles vários policiais perderam. Que suas famílias encontrem conforto, pois para nós não existe conforto quando um irmão perde a vida. Somos nossa própria família, todos nós, não apenas estatísticas e posturas públicas. Nossas funções públicas trazem nas entranhas a certeza de que aqui estamos para ser cobrados, mas continuaremos vigilantes, independente dos meios que nos dão, das mazelas da lei, das opiniões contrárias. Esperamos ter frutos positivos a partir das críticas, pois certamente podemos aprender com elas. E que a sociedade nos ampare participando e discutindo sua própria defesa. Esta é a nossa vida, e assim continuaremos.

Ao povo sergipano presto minha mais respeitosa continência


Saúde e Paz!


Fonte: Papamike 1835

Postado por ESPAÇO MILITAR

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