Em entrevista à Repórter Brasil, procurador Wellington Cabral Saraiva defende mudanças profundas na segurança pública e alerta para o risco representado pela PEC 37
Wellington Saraiva alerta para risco da aprovação da PEC 37 Foto: Divulgação/TJ-AC
De abusos de poder cometidos por polícias militares, incluindo execuções sumárias, aos casos de corrupção envolvendo delegados da polícia civil, o procurador Wellington Cabral Saraiva fala nesta entrevista exclusiva dos problemas comuns da segurança pública do país e aponta caminhos e soluções. Representante do Ministério Público Federal no Conselho Nacional de Justiça, indicado pela Procuradoria-Geral da República para o cargo, ele defende uma reformulação profunda no setor, com a unificação das polícias, e alerta para o risco representado pela Proposta de Emenda Constitucional 37, que restringe a participação do Ministério Público em investigações criminais. Para o homem que já esteve à frente da Procuradoria Regional da República da 5ª Região, onde atuou também como coordenador criminal, a proposta que pode restringir à polícia a busca por provas enfraquece e prejudica a abertura de inquéritos. Em vez de limitar investigações, ele defende a atuação conjunta entre diferentes órgãos e o fortalecimento das instituições envolvidas no combate à criminalidade. “A população tem que admirar e respeitar a polícia. Aqui no Brasil as pessoas têm mais medo e receio do que admiração, isso tem que mudar”.
O que pensa da unificação das Polícia Militar e da Polícia Civil?
Sou totalmente favorável, é preciso unificar as polícias no Brasil. A divisão é muito ruim para o sistema de segurança pública. Gera duplicação de esforços, de gastos, falta de comunicação, as polícias atendem a comandos diferentes. É negativa e está mostrando problemas. Nosso sistema de segurança é muito ineficiente. A unificação geraria ganhos de eficiência.
A sensação de insegurança entre a população é muito grande? Como lidar com este problema?
Essa é uma discussão muito complexa e ampla. Talvez sociólogos e cientistas políticos possam falar melhor que eu. Primeiramente, existe a ineficiência do nosso sistema criminal. Como as taxas de impunidade são muito altas, os criminosos não têm a percepção que poderão responder por seus crimes. Além disso, existe a necessidade de que as polícias sejam “refundadas”. Elas têm problemas tão graves que não sei se seria possível, sem medidas muito profundas, enfrentá-los. Existe uma grande quantidade de policiais que são sérios, competentes e dedicados. As polícias brasileiras têm muitas virtudes, mas existem problemas sérios e de abuso de poder na Polícia Militar, vide as notícias das execuções praticadas, e existem problemas de corrupção muito sérios na Polícia Civil. Isso precisa ser atacado de maneira muito enérgica. Na Polícia Federal, felizmente, esses problemas são bem menos graves. A população tem que admirar e respeitar a polícia. Aqui no Brasil as pessoas têm mais medo e receio do que admiração, isso tem que mudar.
E o sistema penitenciário?
Outro fator [da crise de segurança pública] é nosso sistema penitenciário, que é totalmente indigno dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. É preciso tratar os condenados com a dignidade que eles merecem. O sistema criminal deveria ser aplicado de maneira mais severa, mas todos direitos devem ser respeitados, inclusive os dos presos. É inadmissível que o preso seja maltratado ou torturado. A violência do sistema penitenciário é um fator importante da geração de criminalidade
A maior parte das leis relacionadas à segurança pública que tramitam hoje no Congresso Nacional são propostas para aumentar as penas para crimes comuns*. Poucas fazem referência à crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro. O que pensa desta discrepância?
Isso é um problema sério. Não se combate criminalidade somente aumentando penas. O que a gente precisa é de mais certeza de aplicação destas penas. No caso dos crimes de colarinho branco, o que existe é problema com nosso sistema processual, que é muito benevolente com quem pode contratar um bom advogado. Isso faz com que processos se arrastem por dez anos ou mais. Isso é inadmissível. Precisamos reduzir a quantidade de recursos e tornar excepcionais os casos que têm que passar pelas quatro instâncias do sistema judiciário. Os processos se eternizam e isso é um fator de impunidade muito grande.
Em entrevistas e em comentários no seu twitter (@wsarai), o senhor tem criticado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que tira do Ministério Público o poder de investigação. Por que ser contra a medida?
A minha visão é a visão da maioria dos profissionais da área jurídica e até de outras áreas. Com exceção de uma parte da polícia e uma parte dos advogados criminalistas, todos são contra esta PEC. Do ponto de vista jurídico, trata-se de uma aberração completa por estabelecer um sistema em que o Ministério Público torna-se o único órgão do país impedido de realizar investigações ou coleta de provas. Qualquer pessoa, quando ajuíza um processo, pode coletar provas diretamente. Se você tem um problema com uma empresa de telefonia e foi lesado, você vai juntar os documentos. Na prática, a PEC subordina o MP à polícia.
Como deve ser esta relação entre MP e polícia?
O MP cotidianamente trabalha junto com a polícia. Não existe uma guerra, uma disputa, temos que trabalhar juntos. Parte da polícia, sobretudo dos delegados, quer garantir a exclusividade para investigar crimes. Isso enfraquece o combate à criminalidade. Todo mundo sabe que a polícia não dá conta, não tem meios de investigar todos os crimes que acontecem. O MP também não tem, mas quando você soma recursos, amplifica a capacidade de articulação. Não existe conflito, o MP quer somar forças à polícia.
Acredita que a PEC será aprovada pelo Congresso Nacional?
Essa proposta é tão inconsistente e tão ilógica que o Congresso Nacional dificilmente vai aprovar, mas temos que estar atentos para não deixar que isso tramite sem a devida atenção da sociedade brasileira. Essa PEC vai prejudicar o Brasil. Hoje apenas em torno de 5% dos inquéritos levam ao ajuizamento de uma ação penal. Mais de 90% não tem andamento. Se a taxa de esclarecimento de crimes da polícia é tão baixa, por que diminuir ainda mais os órgãos que podem fazer investigações?
*Em 2008, a pesquisadora Laura Frade, graduada em em direito e psicologia, com mestrado em ciência política e doutorado em sociologia, divulgou levantamento sobre os projetos de lei apresentados no Congresso Nacional relacionados à criminalidade. Dos 646 projetos apresentados no período do levantamento, apenas dois propunham regular ou aumentar a punição para crimes de colarinho banco. Todos os outros cuidavam de tornar mais rígido o sistema penal.
Fonte: Repórter Brasil
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