Os direitos fundamentais são produto de uma evolução multissecular, abrangem direito à saúde e à educação, ao amparo na velhice, na doença e no desemprego.
(Foto Agência Brasil)
Jornal GGN - O Estado não pode revogar direitos sociais conquistados, mesmo sob o argumento de recessões e crises econômicas. Em outras palavras, os direitos fundamentais, produzidos por séculos de desenvolvimento nas leis que hoje integram as Constituições dos países e da própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, não podem ser revertidos pela caneta do Executivo e Legislativo, mesmo alegando necessidade de equilibrar as contas públicas.
É isso que remete o artigo a seguir, do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, na Folha de S.Paulo, publicado em um momento onde a gestão Temer luta para conseguir passar a reforma da Previdência no Congresso Nacional, mesmo contra a vontade da maior parte da opinião pública.
Os direitos fundamentais são produto de uma evolução multissecular
Os direitos fundamentais, tal como os conhecemos, são produto de uma evolução multissecular. Têm como base a tradição judaico-cristã, a filosofia grega, a jurisprudência romana e a teologia medieval.
Entretanto só começaram a ganhar as feições atuais nas lutas contra o absolutismo monárquico, travadas ao longo do século 18, quando se consolidou a ideia de que os indivíduos possuem direitos inalienáveis e imprescritíveis, oponíveis ao Estado.
Desde então, passaram a integrar as Constituições dos países avançados, com destaque para o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, abarcando ainda o de votar e de ser votado.
Logo na centúria seguinte, no entanto, constatou-se que a desigualdade resultante de um "laissez-faire" econômico extremado não permitiu que as massas trabalhadoras usufruíssem daqueles direitos formalmente inscritos nas Constituições, levando a revoltas e motins por toda parte.
Nesse contexto, desenvolveram-se os direitos sociais, de segunda geração, que compreendem, basicamente, o direito ao trabalho e a um salário mínimo; à limitação da jornada laboral; à proteção do menor e da gestante no serviço; bem assim o de fazer greve e de formar sindicatos.
Abrangem também o direito à saúde e à educação, ao amparo na velhice, na doença e no desemprego.
Com o incremento da globalização no século 20, surgiram os direitos de solidariedade ou fraternidade, de terceira geração. Incluem, dentre outros, o direito à paz, à autodeterminação, ao desenvolvimento e ao meio ambiente, na maior parte contemplados em documentos internacionais.
Hoje, alguns cogitam de uma quarta geração, ainda inominada, objetivando defender a intimidade, a privacidade e o patrimônio genético das pessoas contra o uso inapropriado da informática e da bioengenharia.
Independentemente da geração a que pertençam, milita a favor dos direitos fundamentais, em especial dos sociais, o princípio da proibição do retrocesso, plasmado no art. 30 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, da ONU, cuja redação é a seguinte: "Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos".
Em lição muito oportuna, considerada a quadra pela qual passamos, o jurista português Gomes Canotilho pontua que a "proibição do retrocesso nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas [...], mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos", sob pena de afronta aos postulados da legítima confiança e da segurança dos cidadãos.
Isso porque "o núcleo essencial dos direitos já realizado e efetivado através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido", sendo inconstitucional a sua supressão, "sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios".
O princípio da proibição do retrocesso, portanto, impede que, a pretexto de superar dificuldades econômicas, o Estado possa, sem uma contrapartida adequada, revogar ou anular o núcleo essencial dos direitos conquistados pelo povo. É que ele corresponde ao mínimo existencial, ou seja, ao conjunto de bens materiais e imateriais sem o qual não é possível viver com dignidade.
RICARDO LEWANDOWSKI, professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP, é ministro do Supremo Tribunal Fede.
Fonte: GGN
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